08 abril 2006

Epidemias globais

Defesa Fitossanitária – É atribuição da defesa sanitária ou agropecuária, a vigilância, controle e inspeção de animais e vegetais, monitorar e controlar pragas, inventariar populações animais e vegetais, realizar campanhas educativas de conscientização, elaborar planos de contingência. No Brasil, o órgão responsável pela defesa agropecuária é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), através da sua Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) e seus respectivos departamentos.
Um sistema de defesa atuante e moderno pautado em medidas compatíveis com o risco e nível adequado de proteção se faz necessário frente à rápida e intensa movimentação de pessoas e do comércio. O volume e diversidade global do comércio vêm contribuindo também para a chamada bioglobalização de pragas, que é o deslocamento de organismos de uma região para outra, inadvertida ou intencionalmente, o que pode levar a prejuízos incalculáveis. O último caso denomina-se, também de agro ou bioterrorismo. O aumento de consumo por parte da sociedade moderna de produtos agrícolas também está contribuindo para as ocorrências da bioglobalização de pragas.
A criação massiva de rebanhos para a alimentação humana, aproximadamente 21 bilhões de cabeças atualmente, com aumento de 65% nas últimas quatro décadas e o desmatamento de florestas nativas favoreceu o surgimento de inúmeras doenças como a gripe asiática do frango, a Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE) ou mal-da-vaca-louca. Apenas na Inglaterra, mais de 200.000 cabeças de gado foram sacrificadas por apresentarem BSE. A doença mutante nos humanos, resultante da ingestão de carne infectada com BSE, já causou a morte de 122 pessoas até fevereiro de 2003, de acordo com informações disponíveis na mídia eletrônica.
Pragas introduzidas em novas áreas estão custando atualmente à sociedade moderna direta e indiretamente US$ 6 bilhões/ano em perdas na produção e produtividade, adoções de medidas de controle, desemprego, citando apenas alguns fatores. Em estimativas feitas pelo governo americano, 43 insetos invasores exóticos, no período de 1906 a 1991, causaram prejuízos de US$ 925 bilhões aos cofres públicos. Nos últimos anos, apenas cinco grupos de insetos, foram os responsáveis por US$ 3 bilhões/ano.
Para as associações de cotonicultura americanas, no sistema produtivo de algodão, no ano de 2002, os prejuízos somaram US$ 1,2 bilhão/ano provocados por alguns poucos insetos. As perdas totais nessa cultura causadas por esses insetos foram de 4,79%, o que provocou aumentos de US$ 60,67 por acre na adoção de medidas de controle e de US$ 88,80 por acre, considerando custos e perdas.
Levantamentos realizados por pesquisadores internacionais revelaram que, nos últimos 50 anos, mais de 11.000 espécies invasoras entraram no Brasil, entre as agrícolas e ambientais.
Os problemas acima apresentados nos levam a refletir sobre os grandes desafios a serem vencidos no setor agrícola no Brasil. A defesa agropecuária, a inovação, a ciência e a tecnologia devem colocar o país em situação favorável frente ao comércio internacional que, por sua vez, busca cada vez mais alimentos sem riscos para a saúde humana e ambiental.
Em termos mundiais, o Brasil ocupa atualmente a nona posição quanto à expectativa de crescimento econômico. Essa posição deve ser alterada à medida que avança, conquista e mantêm novos mercados, tornando o país altamente competitivo no cenário mundial. Nos últimos anos, de acordo com o MAPA, a balança comercial do agronegócio vem apresentando por ano um superávit médio de crescimento de 20%. Isso pode ser observado na balança comercial de exportação, dos últimos doze meses, período correspondido entre setembro de 2003 a agosto de 2004, no valor de US$ 37,408 bilhões, 27,2% acima do período correspondente a setembro de 2002 a agosto de 2003. Os responsáveis pela exportação foram o complexo-soja, carnes, papel e celulose, destacando ainda cereais, farinhas e preparações.
O MAPA, por meio das ações de inspeção, vigilância e defesa e a Embrapa em seus programas de manejo integrado de pragas e de melhoramento genético muito vêm contribuindo para diminuir os problemas sanitários no Brasil, sendo que muitas pragas foram barradas de entrar e as que foram introduzidas sofreram ações rápidas de controle. Apesar disso, várias outras pragas de grande expressão econômica conseguiram entrar e se estabelecer, mostrando que muito ainda precisa ser feito para melhorar as condições sanitárias no Brasil.
A introdução do bicudo do algodoeiro, na década de 1980, levou à queda de produção de algodão, principalmente na região nordeste do país, gerando uma catástrofe social. O desenvolvimento de cultivares pela Embrapa adaptadas a outras condições climáticas, associado ao manejo integrado de pragas, está fazendo com que o país, ainda que timidamente, volte a exportar esse produto. De acordo com o MAPA, no período de setembro de 2003 a agosto de 2004, a exportação de algodão e de outras fibras têxteis vegetais correspondeu a 33,2% e a importação, 31,6%.
A entrada e dispersão recente da sigatoka negra da bananeira, que entrou pela Venezuela ou pela Colômbia, a mosca-da-carambola vinda, provavelmente da Guiana Francesa, a mosca-negra-dos-citros proveniente do Caribe, a ferrugem asiática da soja, proveniente do Paraguai, além de outros exemplos já ocorridos no Brasil, como a mosca-branca, nematóide do cisto da soja, vírus da tristeza do citros, cancro-cítrico, ferrugem do cafeeiro, vespa-da-madeira, são apenas alguns dos organismos presentes, atualmente, nos sistemas agrícolas de forma localizada ou dispersos nos sistemas agrícolas. Outro exemplo a ser dado e que não deve ser esquecido de introdução e conseqüente estabelecimento da praga, é o da vassoura-de-bruxa. O Brasil passou do segundo produtor mundial de cacau, em 1985, com uma produção de 500.000 toneladas para um quarto da produção da Costa do Marfim, no ano de 2000. Da mesma forma, o psilídeo de concha que afeta o setor florestal e foi introduzido recentemente poderá ter seu efeito diminuído pela descoberta de um inimigo natural dessa praga, em solo brasileiro.
A criação massal desse agente de controle por parte da Embrapa, para liberação em áreas infestadas pelo psilídeo já se iniciou. Apesar de inúmeras pragas já terem sido introduzidas no Brasil, outras centenas, ainda podem entrar e estabelecer. Em levantamentos recentes realizados pelo Laboratório de Quarentena Vegetal (LQV), da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, observou-se que aproximadamente 1.000 insetos podem colocar em risco a agricultura brasileira. Essas e outras pragas ou espécies invasoras exóticas podem afetar o valor agronômico e florestal de produtos, elevar custos de controle, diminuir a qualidade e quantidade de alimentos disponíveis a sociedade, contaminar o meio-ambiente, entre outros fatores, tirando o país da competição do comércio internacional.
Nesse campo, a Embrapa, por meio das suas estações de quarentena vegetal e
animal, credenciadas pelo MAPA e das Redes de Pesquisa em Sanidade Animal e
Vegetal vem contribuindo para a interceptação de pragas, introdução de inimigos
naturais para o controle das pragas introduzidas e o desenvolvimento de
metodologias para a erradicação, contenção e supressão de pragas potenciais e de
perigo imediato. Nos últimos anos, o LQV interceptou e identificou mais de 100
pragas exóticas de expressão econômica e quarentenária, para o país. O valor
dessas interceptações para o setor agrícola é incalculável.
O desenvolvimento de pesquisas técnico-científicas para a implantação de medidas de segurança biológica para a defesa agropecuária brasileira deve ser prioridade do governo federal. Além disso, a implementação de diretrizes no sistema de produção agrícola brasileiro em conformidade com os padrões fitossanitários internacionais pode adicionar vantagens comparativas aos nossos produtos, ao mesmo tempo em que promove o mercado de exportação. Essas ações poderão ser vistas pelos nossos parceiros e competidores comerciais como contribuições que vão além da economia agrícola e também se estendem à proteção da biodiversidade e à sociedade de modo geral, tornando os nossos produtos melhor aceitos pelos mercados internacionais.
Maria Regina Vilarinho de Oliveira

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